O tour acabou dia 19 de fevereiro, nesse dia todo mundo tinha um destino, menos eu. Meu voo pra Hyderabad era só no dia 20 de manhã, eu teria que passar mais uma noite em Delhi. Onde? Não tinha a menor ideia. Sozinha, falida, fodida e mal paga em um domingo, quando não tinha nem como minha mãe me mandar dinheiro.
Eis que me passou pela cabeça um “amigo” que morava em Delhi, o Bhaskar. Fui introduzida a ele pelo Facebook pelo Paulo, um AIESECer de Ponta Grossa também, mas que eu nunca conheci pessoalmente. Desde que ambos souberam que eu ia pra Índia, sempre mantivemos contato e o Bhaskar sempre me foi muto prestativo, me dando dicas e tal. E eles se conheceram um site de troca de cartões postais e coisas de colecionadores, alguma coisa assim (Paulo, me corrija quando eu estiver errada). Aí o Bhaskar tinha uma encomenda para o Paulo, umas moedas indianas para a coleção dele e o mesmo com o Paulo, moedas brasileiras. Eu seria tipo um aviãozinho de tráfico de moedas velhas internacionais. Aceitei fazer a troca numa boa. E mesmo o Bhaskar parecendo ser muito legal, dá 3 tipos de medo, né. Ele podia ser qualquer tipo de maníaco, então pensei: “farei isso no Red Fort com meus amigos e mais 7678698 pessoas em volta, mais seguro”.
Só que eu me vi nessa situação de sem teto na quarta cidade mais populosa do mundo. Vou jogar verde e pedir ajuda, não tenho alternativa. No mínimo o Bhaskar podia me indicar algum hostel muito barato. Então, todas as medidas de segurança e precaução que passavam pela minha cabeça foram por água abaixo e eu pensei sabiamente: foda-se, vou confiar na minha sorte mais uma vez.
Joguei o verde pro Bhaskar contando minha situação, dizendo que eu não sabia o que fazer e colhi maduro. Ele me ofereceu a casa dele. Ele disse que já tinha comentado com os pais dele sobre isso e tal e eles tavam super de boa. Mesmo sabendo que ele morava com os pais, ainda passei um cagaço. Mas não passava uma agulha. Raciocinem comigo: eu tava indo pra casa de um cara que eu conhecia só pelo Facebook porque ele era amigo virtual de outro amigo meu que eu também só conheço via Facebook, por mais que eu soubesse que era da mesma cidade e AIESEC que eu dá medo (sem ofensa, Paulo, mas na hora me passou tudo pela cabeça). Segurei na mão de Shiva e fui.
Rapaz, eu nunca fui tão bem tratada na minha vida. O Bhaskar foi me buscar, super simpático e preocupado se eu tava bem, como foi a viagem e tal. Chegando na casa, conheci a mãe dele que era uma fofa, nem falava inglês, mas sorria pra mim o tempo todo e achava o máximo quando eu falava alguma coisa em hindi. Depois eu conheci o pai dele que também era muito simpático. E como toda boa família indiana não paravam de me oferecer comida e chai. Pela mãe dele eu comia a panela de paneer inteira que ela fez. Eu já contei aqui no começo, em casa de indiano eles gostam que você coma loucamente e NÃO param de te servir se você não for muito veemente no seu “não”. A emoção maior foi a comida sem pimenta. Os pais dele tinham problemas de saúde e por isso não podiam com muita masala. Comi o paneer mais gostoso da minha vida.
Depois do jantar, eles passaram horas me mostrando as coleções do Bhaskar e me deram um monte de presentinhos, desde imãs de geladeira até uma agenda. Eu fiquei muito feliz e ao mesmo tempo sem graça porque não tinha nada pra dar pra eles. Aí eu lembrei que tinham uns CD’s na minha mala e eu dei um do Martinho da Vila pra ele. Presentaço, falaê?
No dia seguinte, meu voo era às 9 da manhã, ou seja, eu tinha que acordar muito cedo porque era longe do aeroporto. Me acordaram, fizeram café da manhã pra mim e a mãe dele ainda costurou a minha mala que tinha rasgado e eles tavam mais preocupados que eu. O Bhaskar ligou pro táxi e me levou até o aeroporto. Não gastei uma rúpia, mesmo porque eu não tinha, mas eles não sabiam disso. Cara, se isso não é Deus na vida, eu não sei mais o que é. Eu tinha noção de famílias indianas, costumes etc, sabia da pira de que visitas serem sagradas na cultura hindu, mas eu não sabia pra onde eu tava indo. Cultura indiana me surpreendendo mais uma vez. E, ateus, expliquem essa. Rs.
Devidamente embarcada, cheguei em Hyderabad. Há pouco mais de um mês eu tinha me visto na mesma cena, quando cheguei na Índia. Mas agora era diferente. Eu sabia o que me esperava, o cheiro e o rosto das pessoas não me assustavam mais, pelo contrário. Uma sensação estranha que eu já era parte daquilo ali, sendo isso bom ou ruim. Cheguei, tomei um café e liguei pro Shashank. Ele passou as coordenadas pro taxista que me levou pra acomodação da AIESEC onde eu ficaria pelos próximos dias até voltar pro Brasil. No caminho até lá eu vi uma Hyderabad completamente diferente dos meus primeiros dois dias na Índia. Vi uma baita de uma cidade, bem cosmopolita, com nada do que eu lembrava na data da minha chegada porque eu deveria estar muito nervosa. Vi o Paryatak Bhavan e passou o filme do meu primeiro dia na Índia na minha cabeça. Lembrei do Chicão e de todos os outros caras que me ajudaram aquele dia, lembrei de como eu não conseguia entender nem a pau o sotaque deles e hoje eu já falava do mesmo jeito. Cara, fazia mais de um mês que tudo aquilo tinha acontecido. Que loucura.
Cheguei no flat que ficava longe pra cacete do centro, mas era em um bairro super bom de “classe” média-alta. Com apartamentos e arquiteturas de casas que eu nunca tinha visto na Índia até então, super ocidentais. Quando eu cheguei estavam morando lá um chinês, um russo e dois japoneses e no dia seguinte apareceu um egípcio.
Depois de uns dias, apareceu lá a Maria, uma brasileira que tava morando em outra acomodação, junto com mais 3 ou 4 meninas de lugares diferentes da Ásia: Indonésia, Japão e China. Nesse dia a gente saiu, fomos pra balada. Eu tava querendo muito saber que as baladas indianas eram mesmo todas uma falha que nem as de Vizag, mas não. Foi super divertido e só dá estrangeiro. Na verdade, Hyderabad pra mim foi isso: festa. Apesar de eu ter trabalhado por dois dias lá fazendo o que eu fiz em Vizag, apresentações sobre o Brasil, em uma escola internacional. Foi muito bom, crianças MUITO espertas. Até ensinei eles a fazer brigadeiro e eles adoraram. As professoras arrumaram um microondas lá do nada e me intimaram a ensinar. Conheci muita gente legal. E dias depois, eu perto do flat onde eu morava comprando coco e um carro parou atrás de mim e uma voz aguda gritou: “Raísa!! Oi!!” eu olhei e era um dos piazinhos dessa escola que eu não fazia a mínima de qual era o nome, mas lembrava dele. Fiquei tão feliz, cara. Ele lembrou meu nome e como se cumprimentava em português. Uma fofura.
Alguns dias depois, voltaram à civilização 3 brasileiros que passaram 10 dias em um ashram, centro de meditação. Que pira, como eu queria ter descoberto um lugar desse antes. Eles contaram que foi muito difícil, mas eu tava numa vibe “challenge accepted”, então topava fácil, mas cheguei tarde. Enfim, os brazucas eram o Alexandre (Floripa), Larissa (Bagé/Porto Alegre) e a Gabriella (Rio). Gente boníssimas. Aos poucos foi todo mundo indo embora a começar pela Larissa, depois o Alexandre e a Maria foram viajar e a gente não ia se encontrar mais, e acabou eu e a Gabi de brasileiras no flat. Nesse meio tempo conheci o Sávio e reecontrei a Elissa e a Maíra, aquelas brasileiras que apareceram em Vizag por uns dias, lembram? Não? Leiam os posts anteriores.
Ah, finalmente conheci o Shashank, meu manager, o cara me me entrevistou e me convenceu a ir pra Índia. O culpado de tudo de bom e ruim que aconteceu comigo. Ele é um fofo, super simpático e diz que tá vindo pro Brasil esse ano. Ele criou uma relação muito forte com os brasileiros que viveram em Hyderabad, relações ainda mais estreitas com uma brasileira que eu não cheguei a conhecer, então lógico que ele quer mais do que nunca vir pra cá. Rs.
Conheci um indiano ‘cho louco também chamado Mohit. O cúmulo da simpatia, nem é da AIESEC, mas ficou amigo de todo mundo. A galera conheceu ele numa balada onde ele é dançarino de salsa (!!!) E ele passou tanto tempo com brasileiro que ele consegue cantar músicas em português sem um pingo de sotaque indiano. É assustador!
Bom, agora eu vou contar o que a maioria já sabe pelo Facebook: meu acidente de auto. Velho, quem sofre um acidente de auto? Só eu e o Sávio, mais ninguém. Eu passei 2 meses na Índia sem ver um acidente e o primeiro que eu vejo é comigo.
Eu sismei que queria fazer minhas últimas compras na Índia em um lugar que o Mohit tinha contado pra Larissa, mas ela não pode ir antes de ir embora, então decidi ir por conta. O Sávio aproveitou pra ir comigo porque ficava no meio do caminho até o orfanato que ele morava e trabalhava. No meio do caminho, algo tipo um carro tirou fina do auto aconteceu e eu com a minha boca ENORME falei “cara, se a gente sofresse um acidente de auto eu ia poder dizer que eu vivi tudo na Índia MESMO”. Porra, velho. Inacreditável. Ganesh devia estar me rodeando e disse amém. Deu uns 10 minutos a bagaça me perde o freio em uma decida e tomba. Quebrou e amassou tudo o auto. Com a gente não aconteceu muita coisa. Na hora eu não senti absolutamente nada, só um arranhão no joelho. No dia seguinte eu achei um galo na minha cabeça, um roxo no meu braço e no meu pé. Rapa, eu ri tanto, tanto. Eu saí de baixo do auto rindo. Um pouco era de susto, porque, caramba… assusta! HEUHEUHE. Na volta, eu tinha que pegar um auto também, ainda traumatizada. Antes de eu entrar eu já falei pro motorista: moço, dirige com cuidado, tá? sem pressa. Enfim, posso dizer: vivi tudo na Índia.
Esse é o penúltimo post. O último será meu parecer final sobre toda essa experiência. Muita coisa, muito detalhe eu deixei de contar, mas é que acaba sendo impossível falar tudo. Não é por esquecimento porque é difícil esquecer desse tipo de coisa. Eu nunca vou esquecer uma virgula do que eu vivi lá. Mas, enfim, deixemos os desabafos e a choradeira para o próximo post.
Aquele beijo.